E
Deus convidou os cães para uma festa no céu. Cães de todas as partes do
recém-criado universo, logo ali depois que Moisés inventou o
jornalismo-literário ao narrar o Gênesis.
Cães
de todas as classes, cores e tamanhos. Do fiel pulguento que lambe a
boca do bêbado do Largo do Glicério ou da Batata ao cãozinho liberal do
sr. Adam Smith. Deus mata, mas não discrimina.
Daqueles
cachorros magros do mercado da Encruzilhada, na frente do restaurante
Bode Dourado, fina iguaria do Hellcife, aos cães que farejam as cabeças
caprinas e os tutanos finais dos sacrifícios religiosos, deuses que
dançam as reinvenções da existência como um moonwalk de Michael Jackson,
o maior passo do homem na terra.
Uma festa pra valer de todos os cachorros do mundo, não é brincadeira. A justa farra da baba felina.
Na
chegada ao paraíso, uma placa, além do possante alto-falante babélico,
avisava em todas as línguas do mundo: nobre cachorrada, favor guardar o
fiofó na chapelaria. Por ordem do asséptico Todo-Poderoso, justíssimo,
nenhum cão, por mais asseado que fosse, poderia adentrar o recinto com o
seu formiróide. O chapeleiro de Alice cuidava em catalogar os anéis
caninos conforme o pedigree, pregas de classe.
Como
não iriam precisar de fiofós na celebração com o Senhor, os cães -até
mesmo aquele cachorrinho chato e mnemônico do velho Ulysses- acataram a
ordem sem maiores choramingas. Partes pudendas guardadas, distribuídas
as cortiças para vedar as catingas do eu-profundo-animal, começou,
então, a grande fuleiragem canina. Pense numa esculhambação de verdade!
Andava
tudo tão bonito, festa linda mesmo, um baile divino... até que um cão
selvagem começou a cachorrada, a patifaria, a fuzarca, o funarére. A
lenda é que o responsável inicial pela bagunça foi aquele dos caninos
brancos do velho Jack London, cria chegada no mesmo combustível do dono,
uma bagaceira, uma cana, uma aguardente que anima criaturas de todos os
reinos.
Ao
riscar da faca, um revestrel de fazer Deus pequeno, anão e invisível.
Como quem tem cu tem medo, os cães saíram em desabalada carreira.
Naquela agonia toda, a chapelaria veio abaixo. Cada um pegou o fiofó que
encontrou ali no chão, o furico possível. O importante era não descer à
terra, o planeta azul como visto lá de cima, desprovido, pois como todo
mundo sabe, um oiti aqui faz muita falta. Melhor um fiofó alheio, um cu
postiço, contra a vontade, do que viver sem a importantíssima
retaguarda para o resto da vida.
Moral
da fábula, segundo a oralidade popular sertaneja aqui humildemente
resgatada: desde aquele dia, desde aquela bagunça divina no céu, quando
um cachorro encontra outro (cachorro), a primeira coisa que faz é
cheirar o rabo do semelhante. Uma eterna e paciente busca do próprio
fiofó, uma procura que deve durar até o juízo final, século seculorum, amém.
*
versão pueril e putrita da narrativa que deu em conto para a "Antologia Bêbada
-fábulas da Mercearia" (edição da bravíssima e genial Ciência do
Acidente, leia-se Tejon & diabruras gutenberguianas, ano da graça de
2003, por supuesto.
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